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Pedagogia da indignação*: uma resenha sem delírios

“Antigamente os animais falavam. Hoje escrevem.”
Millôr Fernandes
O medievalista francês Georges Duby dizia que o historiador não deve se fechar em sua toca, ainda que exitosa. Na condição de seu leitor, sei que ficar confinado na certeza dos números seria uma sandice. Por mais que os resultados de meu trabalho sejam expressivos, afinal, especificamente em vendas, meus dois livros, “Desconstruindo Paulo Freire” e “Desconstruindo (ainda mais) Paulo Freire”, transformaram-me em um autor best-seller, sei que ainda tateio em busca de um estilo textual.
A historiografia prova que não há receita única para o desenvolvimento de uma pesquisa. Aquela que mais me agrada é a de revisitar antigos textos, à medida que eles progridem. Entendo que é uma etapa fundamental, essa de voltar às nossas próprias laudas, corrigindo-as ou ampliando-as. Assim nasceu este texto, que é o primeiro de uma série de resenhas que farei sobre as principais obras freireanas.
Escolhi fixar a minha resenha na 1ª edição de “A Pedagogia da Indignação”, publicada em 2016 pela Editora Paz e Terra. Aviso que o material com o mesmo título produzido pela Editora Unesp, no ano de 2000, serviu unicamente como bibliografia de apoio. Essa escolha pela edição mais recente se deve à minha crença de que toda pessoa merece o direito de retratação, afinal de contas São Dimas já nos ensinou que nunca é tarde para se arrepender.
Em concordância com outros trabalhos de Paulo Freire, “A Pedagogia da Indignação” é organizado por sua viúva, Ana Maria Araújo Freire. Acompanhada ou não de outros hermeneutas da palavra freireana, a cada texto inédito ou em uma nova participação literária, a principal responsável pelas edições dos livros de Paulo Freire apenas reforça suas violentas convicções pedagógicas e sociais, com o devido destaque ao endosso às perturbações de Paulo Freire em comparar Che Guevara com santos católicos.
O livro tem como anexo de abertura uma apresentação à edição da Unesp, escrita por Ana Maria Araújo Freire no começo dos anos 2000. Além da mimetização do estilo prolixo de Paulo Freire e de que sua autora não peca por indiferença ao conteúdo do livro, há mais nada para se destacar.
Caracterizada por mim como uma produção póstuma, “A Pedagogia da Indignação”, como todo livro com essa característica, tem o limite de não ter o envolvimento direto de seu principal autor em sua elaboração. Quanto ao título do livro, de acordo com a organizadora, foi escolhido por ter “força maior para traduzir o que Paulo pretendeu denunciar quando escreveu os textos que o compõem.”[1]
Em relação ao prefácio, assinado por Balduino A. Andreola [2] e chamado de “Carta-Prefácio”, há quatro destaques principais:
– A tentativa de contextualizar que o livro apresentado se fundamenta em cartas que Paulo Freire havia escrito para pessoas de diferentes lugares do mundo;
– Uma demarcação de que os textos de Paulo Freire são importantes para o estabelecimento dos fundamentos teóricos da teologia da libertação latino-americana;[3]
– A tentativa de manter o espetáculo de hipérboles que caracterizam a maneira de retratar Paulo Freire. Há para todos os gostos. Observem:
“[Paulo Freire] Falas do amor ao mundo no contexto do amor à vida, desafiado por tua santa e veemente indignação”;[4]
“Que bom, Paulo, que não paraste, proclamando até o fim, Com o vigor de um pedagogo-profeta, as dimensões ética e política como exigências ontológico-existenciais e históricas da pessoa e da convivência humana e, em particular, da educação.”[5]
“Paulo, tu estás defendendo o valor da vida na sua universalidade, sob todas as suas formas, com a veemência do Cristo, que expulsou os profanadores do santuário, e com a linguagem poética e mística de Francisco de Assis, eleito o maior personagem do milênio recém-findo.”[6]
– O último destaque é o do repetir o cinismo sanguinário de Paulo Freire. Balduino A. Andreola elabora uma confusa lista de “mestres da humanidade”, em que encontramos grandes nomes da história misturados com personalidades que merecem mais ressalvas que elogios:
“Paulo, simpatizo com a idéia de pensar o teu projeto pedagógico-político na constelação do que denomino Pedagogia das grandes convergências. Eu lembro alguns grandes mestres da humanidade que no século findo, lutaram e dedicaram suas vidas por um projeto mais humano, fraterno e solidário de mundo. Sem excluir outros, penso nos seguintes: Gandhi, João XXIII, Luther King, Simone Weil, Lebret, Frantz Fanon, Che Guevara, Teresa de Calcutá, Dom Helder, Mounier, Teilhard de Chardin, Nelson Mandela, Roger Garaudy, Dalai Lama, Téovédjré, Betinho, Paramahansa Yogananda, Michel Duclerq, Fritjof Capra, Pierre Weil, Leonardo Boff, Paul Ricoeur e outros.” [7]
No que diz respeito à análise das cartas e ensaios que constituem o restante de “A Pedagogia da Indignação”, adotei o sistema de descrever ao máximo o seu conteúdo. Ainda que eu os tenha empregado, evitei os comentários mais ácidos acerca dos absurdos defendidos por Paulo Freire. Não por indiferença, mas por entender que apenas repetiriam aquilo que já pontuei em meus livros supracitados.
Como “A Pedagogia da Indignação” não é um livro homogêneo, por mais que assim tenham tentado desenvolvê-lo, discorrerei em separado sobre cada um de seus textos.
Primeira Carta – Do Espírito deste livro
Trata-se de um texto em que o seu pano de fundo é a relação entre pais e filhos, mas que não se esgota apenas nessa temática. Nessa carta, também encontraremos a defesa de Paulo Freire ao partidarismo de ensino, imprecisas definições conceituais, apologias políticas e o elenco de dados que não se sustentam em fontes históricas. Tudo isso devidamente narrado em um estilo confuso.
Defensor pelo menos desde “A Pedagogia do Oprimido” de que não há cultura, nem história imóveis, Paulo Freire morreu com a certeza de que também os relacionamentos familiares deveriam se opor a “imobilidade reacionária”. Em sua definição, o pai e a mãe devem exercer a liberdade do filho, sempre no sentido de “gestar a sua autonomia”:
“Não tenho dúvida de que a minha tarefa primordial de pai, amoroso da liberdade, mas não licencioso, zeloso de minha autoridade, mas não autoritário, não é manejar a opção partidária, religiosa ou profissional de meus filhos “guiando-os” para este ou aquele partido ou esta ou aquela igreja ou profissão. Pelo contrário, sem omitir-lhes minha opção partidária e religiosa, o que me cabe é testemunhar-lhes minha profunda amorosidade pela liberdade, meu respeito aos limites sem os quais minha liberdade fenece, meu acatamento à sua liberdade em aprendizagem para que eles e elas, amanhã, a usem plenamente no domínio político tanto quanto no da fé.”[8]
Colocada essa citação, cabe responder alguns questionamentos fundamentais que foram colocados:
1) Quem é o reacionário de Paulo Freire?
É o sujeito histórico que se opõe à sua agenda de mudanças “No campo dos costumes, no do gosto estético de modo geral, das artes plásticas, da música, popular ou não, no campo da moral, sobretudo no da sexualidade, no da linguagem”.
2) O que é o indivíduo autônomo para Paulo Freire?
É quem foi libertado de sua situação de opressão prévia, transformando-se em um ser revolucionário, engajado na possibilidade de não se esgotar no mundo atual.
Dentro do conceito freireano de revolução, quais os seus princípios?
Essencialmente três:
– Uma ruptura do processo histórico anterior, em que cada sujeito deve superar a sua contradição dialética, esta sempre apresentada à luz de conceitos socialmente maniqueístas;
– O emprego em maior ou menor grau da violência;
– Estabelecimento de uma unidade no discurso revolucionário, baseada na ação e na utopia que a move.
Seu texto segue com um elenco de comportamentos fixados como éticos, que, ao melhor estilo de tutorial, devem ser adotados por todo educador progressista:
– O professor não pode se limitar ao ensino de sua disciplina;
– A educação progressista deve ser aquela que valoriza a chamada “leitura de mundo”;
– Todo aluno deve ser conscientizado no espaço escolar de que ele é agente de uma reinvenção da sociedade;
– A transformação da “estrutura iníqua da sociedade” deve ser um comportamento ético do educador progressista. Em termos mais contemporâneos, trata-se de uma educação com partido, motivada por uma forma em que a ética freireana deve se sobrepor aos limites socialmente construídos de espaço plural em sala de aula.
Seu texto segue com uma defesa de uma democracia regulada. Cabe a nota de que ele não a desenvolve nessa carta. Apenas explícita o seu desejo de regulação:
“Não de uma democracia cujo sonho de Estado, dito liberal, é o Estado que maximiza a liberdade dos fortes para acumular capital em face da pobreza e às vezes da miséria das maiorias, mas de uma democracia de que o Estado, recusando posições licenciosas ou autoritárias e respeitando realmente a liberdade dos cidadãos, não abdica de seu papel regulador das relações sociais. Intervém, portanto, democraticamente, enquanto responsável pelo desenvolvimento da solidariedade social.”[9]
Convém agora definirmos a concepção de democracia para Paulo Freire:
Em suma, é o processo que serve para transformar a consciência dos homens, entendidos como seres condicionados pelas circunstâncias sociais. Nessa sua chave de leitura, muito parafraseada de Jean-Jacques Rousseau, é o ser social que determina a consciência; ou, em outras palavras, o âmago do pensamento social adversário representa o coletivo de desumanizados, portadores de uma visão de mundo que não merece ser respeitada. Na sua leitura sociológica, se o Brasil tem problemas sociais claros, atestados de que não vivemos em um país democrático, estes têm como culpados os liberais e os conservadores, definidos como aniquiladores da convivência social.
Mesmo com essa visão tão pessoal de democracia, Paulo Freire, hipocritamente, afirma nessa sua carta que “o fundamental é que fiquem claras a legitimidade e a aceitação de posições diferentes em face do mundo”.
Outra contradição de Paulo Freire que merece destaque é a do estilo prolixo de seu texto. Segundo ele “Escrever bonito é dever de quem escreve, não importa o que e sobre quê.”, mas, como de costume, não foi possível encontrar tal beleza nesse seu texto inaugural – e já me adianto para dizer que no livro como um todo. Como exemplos dessa sua precária capacidade técnica, destaquei duas toleimas:
“Quanto melhor me “aproximo” do objetivo que procuro conhecer, ao dele me “distanciar epistemologicamente”, tanto mais eficazmente funciono como sujeito cognoscente e melhor, por isso mesmo, me assumo como tal. O que quero dizer é que, como ser humano, não devo nem posso abdicar da possibilidade que veio sendo construída, social e historicamente, em nossa experiência existencial de, intervindo no mundo, inteligi-lo e, em consequência, comunicar o inteligido.”[10]
“A educação tem sentido porque mulheres e homens aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem, porque mulheres e homens se puderam assumir como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que não sabem. De saber melhor o que já sabem, de saber o que ainda não sabem. A educação tem sentido porque, para serem, mulheres e homens precisam estar sendo. Se mulheres e homens simplesmente fossem não haveria porque falar em educação.”[11]
O ensaio se encerra sem o despejo de outros conceitos, mas há um último ponto a ser destacado. Escrito por Ana Maria Araújo Freire, ao final da carta, encontramos o registro do único arrependimento de Paulo Freire:
“O ato de fumar em Paulo Freire foi o único do qual dizia ter-se arrependido. Entendia sempre que fizera tudo na sua vida dentro da ética e das possibilidades históricas – pessoais e sociais -, mas nunca se perdoou por ter fumado.”[12]
Neste final de primeira análise, peço licença para perguntar se sou o único doente mental capaz de achar que ter sido um intransigente defensor de emissários da tortura é pior que dar umas tragadas em um Marlboro Red?
Quanto a segunda carta: Do Direito e do dever de mudar o mundo
Em comparação com o ensaio anterior, trata-se de um texto mais enxuto. Essa segunda carta tem dois destaques:
– Uma intensa defesa ao MST;
– Repetição dos principais temas elencados no ensaio anterior, desde o dever do educador em não ser neutro até a certeza de que a ética é construída com a transgressão de padrões socialmente estabelecidos. De acordo com Paulo Freire, não há meio termo. Ou você é uma bondosa criatura a favor da sua transformação de mundo ou defende a permanência de injustiças sociais:
“Da educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível duas estruturas injustas, da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável.”[13]
Quanto ao restante da carta, diferentemente de Paulo Freire, julguei que seria verborrágico dizer mais do mesmo.
Terceira carta: Do Assassinato de Galdino Jesus dos Santos, o índio da tribo Pataxó
A carta se detém principalmente no assassinato de Galdino Jesus Dos Santos. Aos que não conhecem esse triste episódio, trata-se de um crime horrendo, onde o cacique da tribo Pataxó Hã-hã-Hãe, um dia depois do dia do índio, foi queimado vivo enquanto dormia. Morreu horas depois, no Hospital Regional da Asa Norte, com 95% do corpo consumido por queimaduras de 2º e 3º grau. Lembro-me como esse episódio me sensibilizou em 1997. Nessa época eu não tinha sequer uma década de vida e Paulo Freire já estava na antessala da morte.
Menos de um mês depois da carbonização, Paulo Freire morreu, mas não sem antes condenar, veementemente, esse assassinato. Sua compaixão é o que encontramos no terceiro ensaio que compõe “A Pedagogia da Indignação”.
Não posso dizer com plenitude se as suas lágrimas foram de crocodilo, mas posso achar estranho que um homem que elogiava a Revolução Cultural Chinesa tivesse alguma piedade em seu coração. Nada pessoal com o coração de Paulo Freire; só não tenho o costume de acreditar na compaixão de quem morreu definindo Che Guevara da mesma maneira que o Apóstolo João definiu Jesus Cristo.
A despeito de ter dito que “A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida”[14], nessa terceira carta que analiso, o autor de “A Pedagogia da Indignação” escreveu:
“É possível que, na infância, esses malvadosos adolescentes tenham brincado, felizes e risonhos, de estrangular pintinhos, de atear fogo no rabo de gatos pachorrentos só para vê-los aos pulos e ouvir seus miados desesperados, e se tenham também divertido esmigalhando botões de rosa nos jardins públicos com a mesma desenvoltura com que rasgavam, com afiados canivetes, os tampos das mesas de sua escola. E isso tudo com a possível complacência quando não com o estímulo irresponsável de seus pais.”[15]
Desculpem-me, mas acho contraditório o uso do vocábulo “malvadosos” por alguém que sonhava com a morte de seus opositores. Tenho a impressão que em um país sério, um pedagogo apaixonado por genocidas poderia até ser estudado, mas não seria tratado como o professor símbolo da nação. Além desse bom-mocismo, o terceiro texto de “A Pedagogia da Indignação” é marcado por este apelo:
“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor.”[16]
Aproveitando-me dessa última citação, convido-os para um exercício de lógica bem simples. Topam? Bem, vamos lá: Che Guevara matou pessoas, caso vocês não saibam. Se para Paulo Freire, desculpem ser repetitivo, Che Guevara é um sinônimo de amor e o agente ideal para as transformações sociais, logo, encontramos neste o produto a ser alcançado pela pedagogia freireana. Certo? Então, sigamos com o exercício. Para o autor de “A Pedagogia do Oprimido”, quem inviabiliza o amor não é quem mata inocentes, mas o sujeito que está em divergência com o mundo que o seu “sinônimo de amor” tentou criar, em outras palavras, quem não assassina em nome do socialismo. Você deve estar se perguntando: ele respondeu nesse texto sobre qual seria o fundamento dessa sua dissociação? Não. Apenas utiliza do cadáver do pobre índio carbonizado para o seu fim ideológico. Como este não foi morto com golpes de foice e martelo, gerou a sua piedade.
Sou um pessimista convicto. Uma espécie de existencialista não praticante. Não tenho qualquer pretensão de criar mundos ideias. Axl Rose já disse que, por aqui é “Welcome to the jungle”. Mesmo assim, em um hipotético convite que Deus me faça para criar o meu mundo ideal, jamais teria seletividade para incluir assassinos. Seja o famoso médico matador de cubanos, como também as pessoas que sentem tesão com a agonia de índios incinerados. Como estamos falando sobre o meu mundo ideal, aproveito o espaço para dizer que nele também não estariam incluídas as pessoas que não gostam do cinema de Woody Allen. Acho que todos esses seres inviabilizam o amor.
Depois dessa terceira carta, o livro apresenta uma compilação de alguns escritos dispersos de Paulo Freire. O primeiro trata sobre o Descobrimento da América. A visão do autor pode ser bem resumida em duas citações:
“Não penso nada sobre o “descobrimento” porque o que houve foi conquista. E sobre a conquista, meu pensamento em definitivo é o da recusa. A presença predatória do colonizador, seu incontido gosto de sobrepor-se, não apenas ao espaço físico mas ao histórico e cultural dos invadidos, seu mandonismo, seu poder avassalador sobre as terras e as gentes, sua incontida ambição de destruir a identidade cultural dos nacionais, considerados inferiores, quase bichos, nada disto pode ser esquecido quando, distanciados no tempo, corremos o risco de “amaciar” a invasão e vê-la como uma espécie de presente “civilizatório” do chamado Velho Mundo.”[17]
“Eu comemoro não a invasão, mas a rebelião contra a invasão. E se tivesse de falar dos principais ensinamentos que a trágica experiência colonial nos dá, eu diria que o primeiro e mais fundamental deles é o que deve fundar a nossa decisão de recusar a espoliação, a invasão de classe também como invasores ou invadidos. É o ensinamento da inconformidade diante das injustiças, o ensinamento de que somos capazes de decidir, de mudar o mundo, de melhorá-lo. O ensinamento de que os poderes não podem tudo; de que os frágeis podem fazer, na luta por sua libertação, de sua fraqueza a força com a qual vencem a força dos fortes.”[18]
Nessa mesma carta, além desses anacronismos históricos e de uma falta de diálogo com uma historiografia mais refinada, há novos elogios a Che Guevara, Augusto César Sandino e outros revolucionários. Não irei cansá-los com repetições sobre o que acho disso. Só pontuei, porque não posso ignorá-los. Caso queiram consultar esses elogios eles estão na página 86.
O segundo e o terceiro texto anexados têm os respectivos títulos de “Alfabetização e miséria” e “Desafios da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”. Ensaios lotados de seus repetidos maniqueísmos sociais, em que todos os liberais possuem reações “impiedosamente fatalistas”, mesclados com uma nova defesa, mas com os mesmos termos, para “o direito à raiva”, que, trocando em miúdos, é a maneira simplória que Paulo Freire sintetizava a práxis marxista. Além desses pontos em comum, nesses ensaios encontramos a defesa de Paulo Freire para uma educação partidária:
“Não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho numa favela votem em candidatos reacionários, mas tenho o dever de adverti-los do erro que cometem.”[19]
“A alfabetização, por exemplo, numa área de miséria só ganha sentido na dimensão humana se, com ela, se realiza uma espécie de psicanálise histórico-político-social de que vá resultando a extrojeção da culpa indevida. A isto corresponde a expulsão do opressor de dentro do oprimido, enquanto sombra invasora. Sombra que, expulsa pelo oprimido, precisa de ser substituída por sua autonomia e sua responsabilidade.”[20]
“Se não devo, trabalhando não importa em que projeto, com educandos, sequer insinuar-lhes que meu Partido é o proprietário da verdade salvadora, não posso, por outro lado, silenciar em face de discursos fatalistas segundo os quais a dor e o sofrimento dos pobres são grandes, mas não há o que fazer porque a realidade é assim mesmo. Não posso puni-los por manifestarem o desejo de votar em candidatos reacionários, mas me sinto no dever ético de adverti-los do erro que cometem.”[21]
“Por isso é que, para mim, um dos conteúdos essenciais de qualquer programa educativo, de sintaxe, de biologia, de física, de matemática, de ciências sociais é o que possibilita a discussão da natureza mutável da realidade natural como da histórica e vê homens e mulheres como seres não apenas capazes de se adaptar ao mundo, mas sobretudo de mudá-lo.”[22]
No que se refere especificamente ao segundo texto, há pouco mencionado, “Desafios da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”, há em seu desenvolvimento, um que outro comentário sobre o que seria o método de Paulo Freire de alfabetização de adultos. Não se iludam; não encontraremos especificidades técnicas de suas “palavras geradoras” ou relatos mais precisos sobre a experiência de Angicos. Nada disso. Encontraremos toleimas, alguns comentários que, pelo desenvolvimento da tecnologia mundial já estão defasados, e a repetição de que o “é atuando no mundo que nos o fazemos” ou de que esse tal amanhã não pode ser uma repetição do tal hoje, nas palavras do autor: “A educação de adultos hoje, como a educação em geral na perspectiva progressista, tanto quanto ontem e por novas razões também, tem de continuar lutando contra as ideologias fatalistas.”[23]
A Pedagogia da Indignação ainda é composta de mais dois ensaios. O primeiro tem como título “Educação e esperança”. Nele, os mesmos maniqueísmos e demagogias de Paulo Freire:
“A ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um desvalor jamais uma virtude. Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença.”[24]
“É neste sentido que ambos, o educador progressista como o conservador, precisam de atuar coerentemente. O primeiro, com o seu sonho de transformação do mundo; o segundo, com seu projeto alienante de imobilização da História.”[25]
A única novidade que encontramos nesse seu texto, é a de que o mundo, ao final do século XX, tinha um bilhão de desempregados, número este que não se comprova em qualquer pesquisinha sobre o tema. Na dúvida, deem um Google.
Sobre o outro ensaio, o último do livro, chamado de “Denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho”, desculpem ser repetitivo, mas além dos maniqueísmos e de sua certeza de que a transgressão da ética social é o caminho sólido para a realização de seu mundo melhor, vemos a curiosa definição de Paulo Freire para “profeta”:
“Pensar o amanhã é assim fazer profecia, mas o profeta não é um velho de barbas longas e brancas, de olhos abertos e vivos, de cajado na mão, pouco preocupado com suas vestes, discursando palavras alucinadas. Pelo contrário, o profeta é o que, fundado no que vive, no que vê, no que escuta, no que percebe, no intelige, a raiz do exercício de sua curiosidade epistemológica, atento aos sinais que procura compreender, apoiado na leitura do mundo e das palavras, antigas e novas, à base de quanto e de como se expõe, tornando-se assim cada vez mais uma presença no mundo à altura de seu tempo, fala, quase adivinhando, na verdade, intuindo, do que pode ocorrer nesta ou naquela dimensão da experiência histórico-social. Por outro lado, quanto mais se aceleram os avanços tecnológicos e a ciência esclarece as razões de velhos e insondáveis assombros nossos, tanto menor é a província histórica a ser objeto do pensamento profético. Não creio na possibilidade de um Nostradamus atual.”[26]
Por que essa definição é curiosa?
Pelo fato de que ele se auto define, ainda que negue. O profeta freireano é aquele que anuncia tudo o que ele escreveu. Pelo menos, para a minha interpretação, isso é uma das provas de que no seu intelecto havia a certeza de que ele era um ser iluminado, uma espécie de versão guevariana de São Francisco de Assis.
Referências:
* FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 1 e 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016 e 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2000.
[1]. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019. p. 13.
[2]. Professor que solicitou à Universidade Federal do Rio Grande do Sul o título de Doutor Honoris Causa para o seu amigo Paulo Freire. Esse título foi concedido em 20/10/1994.
[3]. Trata-se de ler tua obra e tua trajetória de luta a serviço dos condenados da terra, dos oprimidos do mundo, na perspectiva de tua fé cristão, que não foi a fé de um cristianismo comprometido com o status quo, mas sim na linha de uma teologia da libertação e da laicidade
[4]. Ibid. p. 23.
[5]. Ibid. p. 24.
[6]. Ibid. p. 26.
[7]. Ibid. p. 27.
[8]. Ibid. p. 24.
[9]. Ibid. p. 54.
[10]. Ibid. p. 33.
[11]. Ibid. p. 44.
[12]. Ibid. p. 59.
[13]. Ibid. p. 66 e 67.
[14]. Trecho retirado do livro “Pedagogia do Oprimido”.
[15]. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014. p. 75 e 76
[16]. Ibid. p. 77.
[17]. Ibid. p. 83 e 84.
[18]. Ibid. p. 85.
[19]. Ibid. p. 93.
[20]. Ibid. p. 96.
[21]. Ibid. p. 100.
[22]. Ibid. p. 110.
[23]. Ibid. p. 118.
[24]. Ibid. p. 131.
[25]. Ibid. p. 133.
[26]. Ibid. p. 136.
Thomas, Simplesmente, uma leitura na qual intitulo de arqueológica; ou seja, uma leitura que nos faz adentrar nas camadas mais profundas do conhecimento histórico- educacional ! Assim, deixo um fragmento do notável Luis Alves de Mattos; uma profecia, que, se faz cumprir no teu atual oficio de mestre. Alves diz: (…) Que, além de fontes de estudos, estas páginas possam servir de inspiração para a nossa juventude estudiosa que escolheu o verdadeiro oficio do magistério como sua futura profissão. Nelas, os jovens candidatos ao magistério encontrarão os mais acrisolados modelos de autênticos educadores, como o foram José de Anchieta, Vicente… Leia mais »